Eu, de olho no macaco-de-cheiro: O que ele tá comendo? Banana?
O barqueiro, rindo: Banana??? Banana na floresta alagada?
Eu: Ué, não tem não?
Ele, rindo mais: Tem sim! Banana e … pão com presunto!
“A floresta é um convite à humildade” – disse a minha afilhada pros meus pais no primeiro dia em Anavilhanas, uma das porções mais conservadas da floresta amazônica.
Era a segunda vez da Natália, a minha terceira. Na nossa visita do ano passado, quando refletíamos sobre quem precisava conhecer aquele pedaço de paraíso na Terra, ela respondeu rapidamente: “o vovô e a vovó”. E lá estávamos com eles na semana passada.
Humildade, pequenez – foi essa também a lição que aprendi em 2022, em meu primeiro contato com a floresta.
Abre parênteses: eu sou a própria “garota de apartamento” e escolhi um formato condizente. Engana-se quem pensa que é preciso ser radical e topar riscos exagerados pra conhecer a Amazônia (eu não curto nada disso).
Estão lá alguns dos melhores hotéis do país, premiados aqui e no exterior – inclusive, se você for, prepare-se pra interagir com austríacos, islandeses… dessa vez encontramos até um casal inglês em Lua de Mel. Não é barato, mas, na minha opinião, vale mais do que uma viagem a Paris. E os estrangeiros aprenderam isso antes da gente. Fecha parênteses.
“A floresta é arrebatadora” – comentou também a Natália, já pro fim da viagem. Eu diria que ela nos atropela. Ou que nos sova, brinquei, como minha mãe quando prepara pães de batata. Sim, aquela imensidão de verde também nos faz um pouco poetas, com a pele fina.
Sexta-feira, já de saída, observávamos como que a extraterrestes a uma família recém-chegada a Anavilhanas. As crianças munidas de joguinhos barulhentos, os adultos pedindo pra trocar o suco de cupuaçu de boas vindas por cerveja. Posso apostar que a essa altura eles já foram arrebatados pelo sorvete de cupuaçu com cobertura de chocolate, pela costelinha de tambaqui e pelo silêncio sonoro da floresta. Não há alternativa.
Na minha primeira vez, fui sozinha. O passeio na mata fechada foi com Krishna – hoje guia, ele foi obrigado a sobreviver na floresta por dias quando criança pra fugir de uma carvoaria onde foi escravizado.
Krishna nos ensinou a fazer fogo com as fibras retiradas de uma árvore, assou larvas ricas em proteína, e, quando começou a chover, escalou uma árvore em segundos pra pedir que o barqueiro nos buscasse em um ponto diferente daquele em que tinha nos deixado.
E eu só pensava em duas coisas. Um: “De que valem meus anos de estudo agora? Viraria papinha de onça rapidinho”. Dois: “Ainda bem que a gente tem o Krishna”.
Entregar-se ao desconhecido – especialmente se você tem o costume de controlar todas as variáveis – é uma tarefa difícil demais. Agora, quando você é capaz, é um abraço pro corpo e pra alma. Ao menos no meu caso, aprendi que isso só é possível ao confiar em quem está no controle.
Eu sou medrosa. “Não tenho coragem de nadar no Rio Negro, não dá pra ver um palmo abaixo da superfície” – disse pra Natália a caminho da floresta no ano passado. “Eu também não, de jeito nenhum” – ela respondeu.
Primeiro dia de viagem. O experiente guia, Helinho, depois de nos apresentar os deslumbrantes igapós, parou o barco em meio a um lago gigante e disse com segurança: “Aqui vocês podem nadar, se quiserem”. Nos entreolhamos e pulamos.
“Na hora certa e no lugar certo você pode mergulhar sem medo” – voltou a repetir o guia Leandro na semana passada. Ele, indígena macuxi, nascido na Guiana Francesa, o mesmo que nos mostraria, horas depois, um jacaré-açu gigante que escolheu as imediações do ICMBio pra morar. No mesmo Rio Negro, mas em pontos diferentes.
Foi o Leandro que nos ensinou que no Rio Negro não tem a temida piranha vermelha nem o candiru – nem mosquitos, graças à acidez. Acredite se quiser, o repelente é menos necessário do que em São Paulo. Convenceu mais um – dessa vez meu pai – a nadar no rio com cor de chá mate.
Já na Comunidade Santo Antonio, foi Dona Rose quem nos ensinou que a mesma mandioca brava que, in natura, pode matar, ao ser processada com sabedoria nos dá a tapioca, o tucupi, o polvilho e a farinha granulada – minha nova paixão, na forma de mingau.
Do maior risco e da incerteza vêm também as oportunidades. Vale pagar o custo de delegar pra especialistas de verdade. Seja humilde com o próprio conhecimento. É preciso dizer que todas essas lições vão muito além da floresta? Impossível não pensar, em meio àquele verde todo, que elas também valem pra construção de patrimônio – e pra vida.
Foi pouco mais de uma semana, mas sinto que se passou um mês. E hoje, antes de me despedir, preciso reafirmar: experiências valem mais do que bens. Na floresta amazônica, nem se fala.
Um abraço,
Luciana Seabra.